sexta-feira, 26 de março de 2010

Inês de Portugal


"Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruto,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuto,
Aos montes ensinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas."

"As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram,
E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas choradas transformaram;
O nome lhe puseram, que inda dura,
Dos amores de Inês que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,
Que lágrimas são a água, e o nome amores."




"Passada esta tão próspera vitória,
Tornando Afonso à Lusitana terra,
A se lograr da paz com tanta glória
Quanta soube ganhar na dura guerra,
O caso triste, e dino da memória,
Que do sepulcro os homens desenterra,
Aconteceu da mísera e mesquinha
Que depois de ser morta foi Rainha."

À Morte de Inês de Castro

Os tristes inocentes
A triste mãe abraçam,
E soltam de agonia inútil choro.
Ao suspiro exaltado,
Final suspiro da fortuna extinta,
Os Amores acodem.
Mostra a prole de Inês, e a tua, ó Vénus,
Igual consternação, e igual beleza:
Uns dos outros os cândidos meninos
Só nas asas diferem,
(Que jazem pelo campo em mil pedaços
Carcases de marfim, virotes de ouro)
Súbito voam dois do coro alado;
Este, raivoso, a demandar vingança
No tribunal de Jove,
Aquele a conduzir o infausto anúncio
Ao descuido da amante.
Nas cem tubas da Fama o grão desastre
Irá pelo universo:
Hão-de chorar-te, Inês, na Hircânia os tigres,
No torrado sertão da Líbia fera
As serpes, os leões hão-de chorar-te.
Do Mondego, que atónito recua,
Do sentido Mondego as alvas filhas
Em tropel doloroso
Das urnas de cristal eis vêm surgindo;
Eis, atentas no horror do caso infando
Terríveis maldições dos lábios vibram
Aos monstros infernais, que vão fugindo.
Já c’ roam de cipreste a malfadada,
E, arrepelando as nítidas madeixas,
Lhe urdem saudosas, lúgubres endechas.

SONETO DE INÊS

Dos olhos corre a água do Mondego
Os cabelos parecem os choupais
Inês! Inês! Rainha sem sossego

Dum rei que por amor não pode mais.
Amor imenso que também é cego
Amor que torna os homens imortais.
Inês! Inês! Distância a que não chego
Morta tão cedo por viver demais.

Os teus gestos são verdes os teus braços
São gaivotas poisadas no regaço
Dum mar azul turquesa intemporal.

As andorinhas seguem os teus passos
E tu morrendo com os olhos baços
Inês! Inês! Inês de Portugal

Inês de Castro

Deveria estar escrito em algum lugar celeste, a meio caminho entre a noite e a aurora, ou nas inscrições apagadas, cobertas pelo pó, do capitel de alguma coluna de um castelo medieval, perdido da luz, que este fosse o maior, mais belo, mais trágico e mais falado amor de toda a História de reino de Portugal. Muito, muito para além das fronteiras naturais de lugar, quis o destino que os episódios da vida deste casal se fizesse lenda e fossem contados, não raras vezes, com novos detalhes acrescidos à narrativa original, por poetas, dramaturgos cronistas, romancistas e músicos, por terras de Espanha, Itália, França e, enfim, um pouco por toda a parte, por onde soaram os passos revoltados de D. Pedro e o perfume doce de Inês de Castro. Todos já dele e dela ouviram falar e conhecem, em três ou quatro linhas, o essencial de sua história. (…)
Tu, Eco, as decoraste;
E cortadas dos ais, assim ressoam
Nós côncavos penedos, que magoam:

Toldam-se os ares
Murcham-se as flores;
Morrei, Amores,
Que Inês morreu.

Mísero espodo,
Desata a pranto, Que o teu encanto
Já não é teu.

Sua alma pura
Nos Céus se encerra;
Triste da terra,
Porque a perdeu.

Contra a cruenta
Raiva ferina,
Taça divina
Não lhe valeu.

Tem roto o seio,
Tesouro oculto;
Bárbaro insulto
Se lhe atreveu.

Da dor e espanto
No carro de ouro
O númen louro
desfaleceu.

Aves sinistras
Aqui piaram,
Lobos uivaram,
O chão tremeu.

Toldam-se os ares
Murcham-se as flores;
Morrei, Amores,
Que Inês morreu.

Inês de Castro

Antes do fim do mundo, despertar,
Sem D.Pedro sentir,
E dizer às donzalas que o luar
É o aceno do amado que há-de vir....

E mostrar-lhes que o amor contrariado
Triunfa até da própria sepultura:
O amante, mais terno e apaixonado,
Ergue a noiva caída à sua altura.
E pedir-lhes, depois, fidelidade humana
Ao mito do poeta, à linda Inês...
À eterna Julieta castelhana
Do Romeu português
Da triste, bela Inês, inda os clamores
Andas, Ecos chorosa, repetindo;
Inda aos piedosos Céus andas pedindo
Justiça contra os ímpios matadores;

Ouvem-se inda na Fonte dos Amores
De quando em quandoas náiades carpindo;
E o Mondego, no caso reflectndo,
Rompe irado a barreira, alaga as flores:

Inda altos hinos o universo entoa
A pedro, que da morta formosura
Convosco, Amores, ao sepulcro voa:
Milagre da beleza e da ternura!
Abre,desce, olha, geme abraça e c'roa
A malfadada Inês na sepultura.

Castro

Meu Senhor,
Esta é a mãe de teus netos. Estes são
Filhos daquele filho que tanto amas.
Esta é aquela coitada mulher fraca,
Contra quem vens armado de crueza.
Aqui me tens. Bastava teu mandado
Pera eu segura e livre te esperar,
Em ti, e em minha inocência confiada.
Escusaras, senhor, todo este estrondo
De armas e cavaleiros: que não foge,
Nem se teme a inocência da justiça.
E quando meus pecados me acusaram
a ti fora buscar, a ti tomara
Por vida em minha morte.Agora vejo
Que tu me vens buscar. Beijo estas mãos
Reais tão piedosas, pois quiseste
Por ti vir-te informar de minhas culpas.
Conhece-mas, senhor, como bom rei.
Como clemente e justo, e como pai
De teus vassalos todos, a quem nunca
Negaste piedade com justiça.
Que vês em mim, senhor? que vês em quem
Em tuas mãos se mete tão segura?
Que fúria, que ira esta é, com quer me buscas?
Mais contra imigos vens, que cruelmente
Te andassem tuas terras destruindo
A ferro e fogo. Eu tremo, senhor, tremo
De me ver ante ti como me vejo,
Molher, moça, inocente, serva tua,
Tão só, sem por mim ter quem me defenda,
Que a língua não se atreve, o sprito treme
Ante tua presença; Porém, possam
Estes moços, teus netos defender-me.
Eles falem por mim, eles só ouve:
Mas não te falarão, senhor, com língua,
Que inda não podem. Falam-te coas almas,
Com suas iades tenras, com seu sangue,
Que é teu, te falarão.Seu desemparo
Te está pedindo vida: não lha negues.
Teus netos são, que nunca téqui viste:
E vê.los em tal tempo, que lhes tolhes
A glória e o prazer, que em seus spritos
Lhes está Deos revelando de te verem.

«Rei
Tristes foram teus fados, Dona Inês,
Triste ventura a tua.»

Linda Inês de Manto

Teceram-lhe o manto
para ser de morta
assim como o pranto
se tece na roca.

Assim como o trono
e como o espaldar
foi igual o modo
de a chorar.

Só a morte trouxe
todo o veludo
no corte da roupa
no cinto justo.


Também como o choro
lhe deram um estrado
um firmal de ouro
um corpo exumado.

O vestido dado
como a choravam
era de brocado
não era escarlata.

Também de pranto
a vestiram toda
era como um manto

mais fino que roupa.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Chorar é suavizar a profundidade da dor

As tuas lágrimas...
são pérolas de sangue,
as lágrimas que irrompem das fontes dos teus olhos,
sangue escaldante que jorra desse coração triste,
ferido e revoltado,
tantas vezes espicaçado pelos abrolhos ou ingratidão...
As tuas lágrimas...
são a espuma cristalina das ondas desse mar
que e a tua alma.
ah grito salgado de tempestade!
Ora ciciar jemumebrundo e manso de maré calma!....

as tuas lágrimas
são flores de cor viva que oferece,palpitantes ao teu mundo....
Flores roxas nos momentos de tristeza,
flores de partilha generosa, em todas as horas da vida,
lágrimas de alegria com quem chega,
lágrimas furtivas de saudades na despedida.